Insónia

'Existe uma razão, um dia, uma hora, um minuto, um segundo; vários segundos, um momento, um gesto, um pensamento, um sentimento. Uma energia, uma ligação, uma conversa parva. Existe uma descrição: de situações, tempos, e espaços; intervenientes, segundos e terceiros. Existe uma cena: uma cena, esta cena, aquela cena. Não se percebe que cena é, mas brevemente se perceberá. Perceberá quem conseguir, bem entendido, quem não conseguir nem sequer verá mais que a capa. Uma capa, folha um, folha dois, folha três. Não há mais folhas? Porque não há mais folhas? Não o deixaram escrever. Ele não se deixou escrever. Mas ela leu; leu o que não estava escrito. Resta saber se algum dia vai estar escrito. Um, dois, três; um, dois, três. Teste. Não te testei porque não foi preciso. Entraste de maneira arrebatadora. Eu não sei bem, mas eu acho que... Pára de divagar, e dorme.'

Um chão novo

Estou a sangrar.
Sangra-me a mão mas danço, contente, ao som do que ninguém mais quer ouvir.
Pego no instrumento e toco o que mais ninguém quer ouvir. E danço outra vez. Que felicidade assombrosa. Tenho medo de não saber os limites dessa felicidade, porque às vezes a nossa felicidade afecta, por acidente, a felicidade dos outros. Na verdade, esta referida felicidade nem sequer me deixou pensar nestas coisas, que não são parvas de todo, diga-se de passagem.
Caí, desmaiado. Nem sequer sei como aconteceu, mas foi o que me contaram. Quem me contou foi o meu novo soalho vermelho e a fraqueza que até hoje não me deixou acordar.

Sem Fim

Encontro-me escondido nas brumas da noite. Os contornos de todas as coisas tornam-se pouco nítidos enquanto a minha mente vagueia no outro nível, que não tem fim. Quaisquer palavras seriam insuficientes para descrever tal situação. Apenas persiste a pequena sensação de companhia que nos acompanha ao longo deste caminho, que não tem fim.
Continuaremos até ao fim, mesmo aquele que não vemos e que pensamos não existir.
Enquanto corremos, fugindo à principal inimiga da nossa vida, aproximamo-nos do tão desejado fim, que segundo a teoria, nos congratulará com a prosperidade eterna. Nessa altura, saberemos: este fim é uma simples ilusão.
Enquanto a música da despedida toca, o que deixara de ser nítido é redescoberto. E aí será reproduzida a ideia, sem fim.

Ninguém vê

Ouve-se vozes a ecoar por toda a sala. A sala está vazia. Vê-se no distante horizonte um aglomerado desorganizado de cores: algumas ainda nem sequer são distinguidas por todo e qualquer olho humano. Na verdade, o que a Física nos diz é que este tipo de cores nem sequer existe, ou, se existe, não faz parte do que é suposto um ser humano ver. Pura ignorância, pensou ele. Eu estou a vê-las, gritou bem alto: e todas as vozes se calaram. Olhou em redor, nem uma pessoa se avistava. Esta é que seria uma grande discussão para os Físicos, porque afinal a sala sempre esteve vazia.
Ao contrário daquilo que poderiam estar à espera, ele nem se mexeu. Continuou, deslumbrado, a olhar para aquelas cores nunca antes vistas, ou talvez vistas tantas vezes por pessoas sem o discernimento necessário para se aperceberem da sua existência.
Quer comer? Sim, estou a vê-las. Está maluco, deixem-no estar. Já disse que estou a vê-las!
Deixaram-no estar. Dezoito anos depois, ele ainda está vivo, e está a olhar para as mesmas cores, a bater o pé, e a dizer que está a vê-las. Ninguém as vê, isso é certo, agora não sei quem estará maluco, se eles ou eu.

Existirão tréguas?

Estou preso na porta que me dá a liberdade. Tenho três pesos pegados aos pés, e não consigo sentar-me. Escrevo plurais que estão sozinhos, e acompanho-me de cadáveres vivos. Invadiu-me uma faca. Perdi uma maçã, mas sobrevivi graças a isso. Quem acha isto trivial, devia ter consciência das nuvens, porque elas também estão perdidas. É por isto que acabou. É por isto que ficou sem mãos. Só para verem como fazia sentido.

Viagem

Bem vindos ao universo paralelo da vossa mente. Bem vindos à rebelião descontrolada das emoções, tão bem representada pelo motim caótico e confuso que nasce do fogo entornado das nossas acções. Perdidos estamos neste fundo, tão longínquo para quem nos vê de cima a sermos sugados pelo escuro fim deste poço, se é que este existe. Perdemos a noção da realidade; talvez a tenhamos deixado perdida algures, à espera que a inconsciência nos largue e nos deixe buscá-la de novo, e guardá-la na caixa das coisas que são nossas.
O som que nos acompanha nesta queda vertiginosa, apesar de sujo e pouco nítido em partes, toca-nos naquilo que falta ser tocado, e como que por milagre, somos aparados na queda que nos mataria se o som não tivesse aparecido por razões que ficarão para sempre por explicar.
Quando nos erguemos de novo, e olhamos para cima e não vemos nenhuma face conhecida, realmente percebemos que quando chegamos ao fim do poço, apenas o som nos conseguirá salvar, por muito que custe isto ser dito e ouvido.



Agora, acordem! Bem vindos de novo à realidade...

Rosto

Se os meus olhos pudessem tocar o teu rosto, decerto que a alma que possuo não estaria buscando o corpo, que, parecendo paradoxo, é onde essa mesma alma reside. Ao som da música que nem sequer vozes possui, vagueio sem destino pelos desencontros constantes entre as duas entidades antes explícitas pelas palavras mais apropriadas: digo isto porque pode parecer que complico o que digo, apesar de não partilhar dessa opinião.
Vejo um rosto jovem; aliás dois: um reside na propriedade, difícil de encontrar, do som, ausente de vozes, que me enche a mente aos poucos; mente esta, que é onde se encontra o outro rosto. O rosto duma pessoa que, apesar de ainda inexistente em corpo, cria uma atmosfera que paira sobre mim, não só neste momento como noutros, nos quais vocês não são convidados, e este será talvez um dos mais arrojados exemplos do egoísmo humano que, pelos vistos, até a mim me assola.
Focando-me na face que ainda reside apenas na minha mente, devo dizer-vos que nunca se viu uma face assim. Pertence a um ser do sexo feminino, exuberante a cada gesto, puro no seu todo e estranhamente claro, nem parece filha de seu pai. Peço-vos apenas que não desacreditem de tudo isto ao julgarem pela descrição desajeitada de quem nada percebe de aparências, mas que em contrapartida retira ilações da energia levemente transparecida por pequenos traços que da sua existência só alguém muito próximo se aperceberia.
Este rosto, repetido vezes sem conta, tanto neste texto como na minha mente, espera impaciente para que lhe dêem vida, seja em corpo ou noutra forma qualquer. Tenho esperança que ela, naqueles momentos em que somos um só, veja o mesmo rosto que eu vejo todos os dias, e que o pinte, numa das suas telas que ainda estão em branco. Ela... é a pintora que eu sempre amei; ela... é a mãe da minha filha.

1.

Esta é uma estória daquelas que se contam antes de dormir. Antes de se principiar, devo salientar que de facto foi numa vez, o que não significa que sejam pronunciadas palavras que remetam para isso, pelo menos não as usuais. O protagonista era um menino muito pequenino, tão pequenino que me obrigou a aplicar um diminutivo, veja-se só. É pequenino, nem percebe o que se encontra à sua volta, como se vê agora, que nem dá por mim a contar isto, e se verá mais à frente na estória, que será de certeza contado.
Estava sentado na sala da sua pequena casa, que nunca chegará a ser realmente sua, a ver as imagens que se moviam dentro da caixa que a partir de meados de 1924 alguém decidiu chamar televisão. Neste sistema electrónico passava um daqueles programas para crianças, que pouco importa o nome, mas que é admirado por um número significativo de seres humanos durante um certo intervalo etário chamado de infância. Que o miúdo soubesse, apenas sua mãe estava em casa. Facto que rápido percebeu não ser verdade, quando viu o seu pai entrar pela porta da divisão onde estava. O pai não reparou no miúdo, mas o miúdo, feliz que nem... um miúdo vá, pediu-lhe que prestasse atenção à cena seguinte da história fantasiosa que atentamente observava. Pobre miúdo, nem que miúdo não fosse, nunca adivinharia o que de seguida iria acontecer. Talvez só Deus soubesse, porque ele sabe tudo, mas nada poderia fazer para aquilo evitar, porque o livre-arbítrio existe, sendo assim, Deus é omnisciente mas nunca poderá ser omnipotente, mas isto são outras estórias de quem é inexplicavelmente ouvido.
Voltando à estória, que ainda não acabou, por pouco mais de 5 segundos, o miúdo perdeu a atenção que prestava à história animada para se poder concentrar nos dois vultos que passaram o corredor em direcção ao quarto. Mesmo antes que o miúdo voltasse a prestar atenção ao aparelho de entretenimento situado na sala onde se encontrava, gritos cortaram o ambiente feliz criado pela mente da criança em seu redor. Apesar de pequenino, o miúdo conseguia andar e foi o que fez. Percorreu um caminho curto que para ele era longo, o que não impediu que fosse feito num curto intervalo de tempo. Quando chegou à porta do quarto, presenciou a imagem que mais tarde iria voltar a penetrar-lhe a cabeça em forma de memória. Seu pai estava em cima de sua mãe, não a satisfazerem-se mutuamente como poderia sugerir a muita gente, mas sim numa batalha pela sobrevivência. Quem tenha olhos que vejam, perceberia que o progenitor do sexo masculino estava com uma vantagem enorme, de faca na mão, a colaborar activamente para que a quantidade de sangue jorrado pela outra parte do casal não parasse de aumentar. No meio de toda esta imensidão de horrores, de súbito, ouviu-se numa voz, simultaneamente trémula e berrante, a palavra 'pai'. Era a criança, que chorava, mas nem sabia porquê, nem sequer percebia o que se estava a passar. Este choro súbito despertou de novo a consciência no pai, que olhou para a criança, aterrorizado consigo mesmo. Fugiu, e ao fugir... chorou. Talvez o maior choro da História, e sendo isto verdade, não terão problemas em perceber que também será o maior da estória. Uma coisa é certa, deste indivíduo não se ouvirá falar tão cedo, mas o tempo o dirá.
Quanto à criança, talvez no espaço duma página se volte a falar nela, mas eu sou um mero espectador.

Isto

Acabei por descobrir, tanto por obra da casualidade como do querer, que afinal isto ainda está dentro de mim. Quando pensei que tivesse morrido, ou até desaparecido se morrer vos causar alguma ansiedade muito pouco fundamentada, voltou com a mesma intensidade e amplitude de sempre. Quase que me pareceu dizer que era estranho, mas se assim o fosse não haveria uma explicação supostamente normal, apesar de desnecessária, deste mesmo facto. Afinal, aprendemos que as conversas são sempre úteis, apesar de não o parecerem. Quem nos ensina? A reflexão.
Quando estas coisas acontecem, o ser humano tem tendência para pintar muitos quadros para encher a parede altíssima que foi construída. Quem a construiu? Isto. Sim, isto. O que está dentro de mim, que não morreu - desculpem, mas é que às vezes as coisas têm que ser chamadas pelos termos.
Isto, que não se sabe o que é, é despoletado pelas mais simples coisas que são banais para os olhos que olham mas não vêem, tal como um abraço, um olhar, um sorriso, uma conversa, um beijo ou um apertar de mãos. Isto, vê-me a encher esta parede altíssima de quadros pintados por ela, que retratam qualquer um dos gestos antes referidos, de forma geralmente considerada imperceptível, mas que me abre as portas às percepções escondidas desses falados actos.
Eu amo-te, e ficaria assim a vida toda.

Prosa, apenas e só

Eu não me sinto nada bem.
Certamente, existirão milhões de razões estúpidas e egoístas que justificarão esta situação, apesar de esta ser ainda, para vocês, uma incógnita. Uma incógnita tão levemente escondida por trás da robusta e confiante forma de falar; uma incógnita que, mesmo levemente escondida, talvez nunca a encontrem. Encontrou-se, e encontra-se, no início e no fim. Não no meu caso, que essa em mim é constante, mas neste caso particular, o referido se sucede. Eu espero que confusão não seja aquilo que vos invade a mente ao lerem isto, pois isso faria de mim algum tipo de maluco que em tudo o que diz, nada parece fazer sentido, mas talvez até essa questão seja pertinente; talvez mais pertinente que essas que vemos por aí serem respondidas.
Será que os malucos são mesmo malucos? Esta pergunta parece estúpida talvez por não a encararmos como deveríamos. Antes que entrem na profunda reflexão sobre a última pergunta que surgiu, devo esclarecer-vos que não se trata de uma brincadeira semântica, porque isso é outra história, aliás, neste caso trata-se de como as pessoas ignoram a semântica. Retomando de onde me interrompi, que até comigo próprio sou desrespeitador, gostava de perceber toda a ideia de como nós somos malucos, quem diz nós, diz eu, ou tu, ou ele, ou vós, ou eles, porque não me parece que seja pertinente, apesar de ter sido escrito. Desculpem-me se brusco serei se agora disser que ninguém é maluco. Embora pareça que faltei nas explicações, não o fiz, apenas me desculpo pela arrogância de quem escreve aquilo que já sabe.
Eu não me sinto nada bem.

Perdido, mas achado

O dia finalmente chegou. A ansiedade ocupou todo o seu corpo e estragou, de facto, a sanidade mental que pensava já possuir. Passou pelos 5 a 10 segundos mais bonitos de sempre. Sabia o que era ser feliz.
No fim, em vez daquilo que esperava, estava sozinho, ao som da música mais tocante para ele, com uma única imagem na cabeça... o 'abandono'. Chorou, como já não chorava há muito. Pensou...

No dia seguinte, via-se perdido em confusões e complicações, que pouco lhe importavam naquele momento. Decerto que ele só queria voltar atrás no tempo, muito atrás, para ter de novo a felicidade que sentira no dia anterior, e que a prolongasse mais do que umas horas.
Ele chorou diante de todos os figurantes da sua mente. Um choro silencioso, mas doloroso. Uniforme, mas com altos e baixos. Longo, e triste.
Escondia a face para não ser visto. Sentia-se preso na escuridão da sua alma. A música que o acompanhava pelas ruas da tristeza, intensificava a dor. Nada mais havia a fazer.

Pintura

Pinto pinturas perdidas,
Passo paisagens paradas,
Piso pegadas passadas,
Pronuncio palavras pesadas.

Que jogo feio no qual entrei
Que impotência estranha inventei.
Que fraca história contei
Naquela pintura que pintei.

Pedaços de folhas escritas
Afogam-me no dia seguinte.
Mas apenas me mataram no dia anterior.

Óbvio será dizer
Que já nada está a fazer sentido.
Mas isto seria fácil de perceber
Se a história da pintura tivessem vocês lido.

(Des)Organização (Parte IX)

Não sabia que reacção esperar
Mas esperei, a pensar sozinho:
'Sou alvo de olhares estupefactos
De todo e qualquer Zé Povinho.

O que lhes vai na mente neste momento
Para mim, uma incógnita é.
Mas se essa mente fosse um carro
Apenas andaria em marcha-ré.'

Neste momento de expectativa,
O que reina é a incerteza.
Enquanto a cronologia avançava
O olhar aumentava em frieza.

No momento curto em que estou
Entre a espada e a parede,
O povo, a morrer de sede,
Decidiu enfiar-nos na rede
A que Morte chamou.

Pedras choveram,
Gritos soaram
E balas voaram!

Chocaram contra o meu corpo;
Perfuraram-no...
O sonho distante da mudança?
Mataram-no...

Pouco sofri, pouco vi e louco estarei,
Porque rapidamente do corpo voei.
Passado segundos me recuperei
E logo comecei:

'Olho para aquele pássaro
Preso, na gaiola, sozinho.'

Olhava para aquele pássaro, sozinho,
Que preso na gaiola estava.
Escrevi o que me aconteceu em corpo
Porque a esperança me conquistava.

Finalmente, este dia chegou!

Espero que, agora,
Já que o meu canto não resultou,
Que a minha obra mostre
O sofrimento que me matou...

E que já não seja preciso gritar,
Para se conseguir voar!

(Des)Organização (Parte VIII)

Pouco percebemos da explicação
Que o Limite nos deu;
Mas sabíamos que foi algo único
E que ainda não morreu.

Sem explicação possível,
Por algo, todos esperávamos;
Mas apenas o Limite sabia o que era,
E nele, nós confiávamos.

De facto, não foi preciso
Prolongar em demasia a espera...

Em pouco tempo, começaram a ser retratadas
As chamadas 'Catástrofes Naturais'
Que destruíam tudo e todos,
Principalmente as famílias mais 'reais'.

Tornados, Terramotos e Erupções,
Mostravam o desequilíbrio terrestre
Causado pelo Ser Humano
Que até tem outros animais naquilo que veste.

A Organização estava a ruir
Porque as suas posses estavam a desaparecer.
E o povo, tornado egoísta pela Organização,
Já nem disso queria saber!

Desta vez, a miséria assolou a todos,
Até aos líderes da Organização!
O povo revoltou-se novamente:
A fome gritava juntamente com o coração.

Motins invadiam as ruínas das cidades,
Pessoas pilhavam tudo o que viam!
Não queriam saber de mais nada nem ninguém,
Queriam estar entre aqueles que sobreviviam.

No meio de toda esta loucura,
O nosso fraco grupo saiu à rua.
Queríamos acalmar toda a população,
Convencê-la para parar esta confusão.

Afinal, estas catástrofes
Mostram a Natureza a tentar
Se equilibrar.
Afinal, isto é uma oportunidade
Para cada um de nós tentar
Recomeçar.

Eu gritei na rua:
'Isto é a Transformação, isto tem que mudar!'
Ficaram todos imóveis, a olhar...
Nesta altura, já não sabia que reacção esperar...

(Des)Organização (Parte VII)

O povo já não acreditava no Limite
Nem nas pessoas que isto escreveram...
Perdíamos apoiantes ao longo do tempo:
Todos eles se venderam!

Foram sugados pela Organização,
Foram drogados pela Organização,
Foram comprados pela Organização!
E tal como todos os que se vendem
Ficam presos ao dono que nem um coitado cão!

É pena que hoje em dia
Ninguém se importe com isto.
O que importa é ter tudo
E não se preocupar com nada!

Sinto um vazio cá dentro
Por não haver ninguém que esteja comigo.
Mas é certo que me chega quem ainda ficou:
O Limite e alguém chamado 'Mendigo'.

Certo dia, algo surgiu no meio da dor.
Algo fora do comum...

O Limite sorriu, ao falar:
Pediu-nos para o acompanhar...
Até que chegámos a um paraíso
Totalmente rodeado de mar...

Estava uma noite sombria
E o Limite pediu que para a Lua olhássemos.
Ao obedecer, notámos em algo inacreditável:
Um prisma reluzia milhões de cores,
Era normal que, naquilo, não acreditássemos.

Era surreal, abismal e mais que especial!
As cores rodeavam-nos e faziam-nos viajar
Por sítios inimagináveis...
Em nada conseguimos, sequer, pensar.

Mesmo que tente, não conseguirei precisar
Quanto tempo ali permanecemos.
Mesmo que quiséssemos explicar,
Nem isso, sequer, conseguiremos.

Procurámos explicações com o Limite,
No final desta natural alucinação.
No fundo, acho que tínhamos percebido,
Mas precisávamos, ambos, da grande confirmação.

Foi então que olhámos para o Limite
Que nos disse de forma triunfante e ciente:
'Aquilo, meus irmãos,
Foi o Antecedente!'

(Des)Organização (Parte VI)

Uma nova era nasceu.
Veio com o Limite, de repente,
Que não aguentava mais que a Organização
Poluísse toda e qualquer mente.

Pessoas escondiam-se para se reunir:
Fugiam da Organização, que nem lhes deixava rir.
Planeavam golpes para o dia a seguir:
A Organização há-de cair!

Antes desta desconfiar,
O povo pensava
Nos erros desta Organização
E em como ela os ameaçava.

Sem demora nem aviso,
Grupos rebeldes começaram a destruir
As posses daquela Organização
Sem qualquer remorso sentir.

Apesar da justiça que sentiam
Que parece óbvia e justa
Seu líder, o Limite, disse para pararem
E não se explicou, nem valia a pena perguntarem...

Entretanto, tudo piorou:
Ninguém era livre,
Viviam todos isolados e escravos
E, com sorte, talvez ganhassem uns centavos.

O povo enlouquecia, ao longo do tempo...
Eu enlouquecia, ao longo do tempo...

Ninguém percebia o Limite...
Ele tinha chegado e nós tínhamos percebido.
Porquê pararmos a luta?
Ele olhava em torno, sério...
Ele, de nós, não se tinha esquecido.
Faltava algo para ganharmos a luta...

(Des)Organização (Parte V)

Esta Organização sugou
Tudo o que cada um de nós ganhou:
Desde a simplicidade que cada um preservou,
À comida que o povo encontrou.

Vivíamos subjugados àqueles
Que inventaram esta Organização.
Fizeram-no para a população prejudicar:
Até se viam pessoas a dormir no chão.

Criaram a sua própria educação,
À base de maus tratos e obrigação.
Fechavam as mentes da nova geração.
Incutiam os pressupostos desta Organização!

Amedrontavam todos os que queriam certa profissão.
Persuadiam cada um sem lhes dar qualquer opção
E maltratavam qualquer um, sem excepção...
Maltratavam, segundo a Organização!

Drogavam-nos, injectando blasfémia na mente.
Hipnotizavam-nos com histórias de infeliz gente.
O povo estava tão pouco ciente:
Seguia à risca, a Organização demente...

Esta Organização
Destruía tudo;
Matava tudo
E não sofria nada...

O povo era o pássaro, sozinho...
A Organização, a gaiola fechada...
Até ao dia da chegada do Limite, que afirmou:
'Que Organização tão desorganizada!'.

(Des)Organização (Parte IV)

'Começarei por criar organização'-
Pensou o indivíduo da mente fechada-
'Ela trazer-me-á riqueza
E terei uma vida muito mais relaxada'.

Não demorou muito
Até todo o asilo ser destruído.
Apesar do miúdo que era,
Já percebia o que era aquele ruído.

Era a velha máquina,
Utensílio de destruição,
Mas que era admirada
Como símbolo desta organização.

O asilo passou a cidade:
Tudo o que era querido por esta sociedade.
Perguntavam a razão de toda a minha ansiedade.
Diziam para não me armar em rebelde
Porque não me dava mais virilidade.

Achava isto ridículo, agora já mais crescido,
Mas do resto, permanecia sempre fechado,
Relembrando o asilo...
Aquele, mais que alado...

Esta organização,
Tão considerada como desenvolvimento,
Tornou-se no pior alguma vez feito:
Criou somente sofrimento.

Querem que sigamos as regras da Organização.
Querem que sejamos escravos da Organização.
Querem que ajudemos a Organização a ser maior.
Mas acreditem, esta Organização só é feita
Para nos iludir e discriminar.
Para nos controlar
E nós nem sequer sabermos o que se está a passar!

Eu gritei isto, mas ninguém ouviu...
Eu escrevi isto, e toda a gente se riu.
A Organização venceu-me.
A mim e ao asilo...
Prendeu-me a ela
E sou obrigado a segui-la...

Agora entendo:
O pássaro sou eu,
E vivo dentro duma gaiola:
A Organização...

Se, pelo menos, houvesse alguém que percebesse
O que o meu canto significa, ao gritar,
Alguém sentiria o desespero que sinto
Por não conseguir voar.

(Des)Organização (Parte III)

Duas pessoas estabeleciam uma discussão acesa.
Aproximei-me, curioso.

Enquanto ainda permanecia afastado
Da área de tensão daquela discussão,
Pensei qual seria a causa desta:
Era demasiado novo para chegar a uma conclusão.

Já próximo de ambos os protagonistas,
Consegui escutar parte da conversa imunda:
Discutiam por algo que chamavam 'posse da terra'.
Parecia uma daquelas 'conversas de gente graúda'.

No entanto, pensei compreender
O que ali se passava:
Lutavam, incompreensivelmente,
Pela terra onde cada um de nós estava.

Fiquei triste e saí dali.
Fazia-me impressão toda aquela discussão
Por algo que a ninguém pertence,
Que faz parte de nós
E nos desperta a sensação.

Passados tempos depois disto,
Houve, de facto, a confirmação:
O asilo era mesmo de alguém...
Alguém que pertenceu à discussão.

Alguém que com o sorriso amarelo,
Uma gargalhada ambiciosa
E papéis coloridos,
Celebrava esta 'vitória' ociosa.

Em seguida, a vitória patética não lhe bastou:
Usou o seu cérebro muito pouco são
E criou aquilo a que chamou:
Organização.

(Des)Organização (Parte II)

Retirei-me, em busca de paz.
Saí do abrigo de casa.

Deparei-me com um conjunto maravilhoso
De cores, relevos e beleza.
Admirado, mirei com atenção todo e qualquer pormenor.
Nunca tinha visto perfeição com tanta clareza.

Pensei em perguntar a alguém
Do que se tratava tudo aquilo
Mas lembrei-me do pássaro
E temi uma resposta negativa sobre aquele asilo.

Não havia falhas ali:
Uma bola em chamas fornecia-nos energia,
Uma brisa desconhecida transparecia equilíbrio
E o verde que via
Alegrava-me o dia...

Rodeado por tudo isto
E ao desconhecer isto tudo
Pensava, ao viajar,
Que nome lhe deveria dar.

Voltando a olhar este conjunto maravilhoso
De cores, relevos e beleza;
Ouvi tudo isto a apresentar-se:
Chamava-se Natureza...

Prossegui mirando; sentindo
Toda esta energia passada até mim;
Até que vi lá no fundo,
Algo que não fazia sentido ali...

(Des)Organização (Parte I)

Olho para aquele pássaro;
Preso, na gaiola, sozinho...

Busco o porquê de tal acontecimento...
Confundo-me, pois apenas sou uma criança...
Humano e pássaro;
Não percebo esta aliança.

Na minha tenra idade e ignorância,
Parece-me ver sofrimento no pássaro.
Porém, os adultos intervêm;
Dizem-me que lhe dou demasiada importância...

As minhas ideias de miúdo estúpido:
São falsas por definição.
Portanto, não liguem ao miúdo parvo,
Mesmo que ele tenha razão!

Voltando ao pássaro, que dizem cantar,
Acho que, na verdade, está a gritar.
Porque todo este desespero o está a incomodar,
Para além do facto de não poder voar.










'O Pássaro ', por Leonor Carboila

Ferida

Tudo mudou.
O dia-a-dia,
O comportamento
E a forma como sorria.

Quando minha vida necessitou de mudança,
Recebi falsas preocupações de todo e qualquer interveniente.
Agora que o tempo passou e já não tenho esperança,
Só falarão comigo se lhes for conveniente.

Solidão, é o que me intersecta a vida,
E é o acelerador na descida.
Abandono, foi o que me ofereceram,
As pessoas que nunca, na vida, me leram.

Tenho noção do egoísmo que transparece em mim,
E do vazio e loucura que me invadem a alma.
Finjo não parecer mal, estando sozinho;
Olho para o que me rodeia, com calma.

Pouco me ajuda neste caminho,
Armadilhado por vocês.
E nem se aperceberam...
Que enquanto me vêm aqui sozinho,
A procurar felicidade, talvez,
Me magoaram na ferida
Que vocês próprios esconderam.

Psicadélico (Parte I)

Submerso em cores,
Eu quero e vou estar!
Louco e inconsciente,
De tudo o que se está a passar.

Verei coisas; as que quero ver.
Dirão que são mentira; e que as devo temer.
Mas serão as únicas que não me irei esquecer;
Esperemos todos!
Tudo o que vir, irei escrever.

Elefantes, mantas, pássaros e máquinas:
Fundir-se-ão no dia que esperamos.
Perdido estarei, com tudo a rodear-me.
Até que ela apareça e me diga onde estamos.

Será que chegarei à conclusão
Do que é real ou uma ilusão?
Será que serei forte o suficiente
Para eliminar isto antes que me mate de repente?
Irei viver esta confusão,
Ou sonhá-la com organização?
Ideias penetram-me a mente enquanto vejo
O sonho psicadélico, o qual desejo.

Controlo

Alma vazia,
Mente sombria.
Falta de alegria,
Disfarçada por euforia.

Pena pesada, esta que me assola
O quotidiano, a cada passo na vida.
Perco forças e pioro minha conduta.
Por favor, não me dêem mais comida!

Distribuam-na por alguém melhor,
Com mais vontade de viver.
Alguém que não eu,
Que lentamente, está a morrer.

Preciso de me isolar do resto.
De tudo que exista.
Deixar-me sozinho na loucura,
Antes que mais ninguém lhe resista.

Mas quando eu perder o controlo,
O meu estado mais são se revelará.
Meu corpo estará longe,
Mas a minha alma ficará.

Os Artistas Magoados

Há tempos,
Vivi uma ilusão:
A da miúda,
Que me chamou a atenção.

Hesitei e demorei,
Mas por fim acabei
Por dar minha entidade e estranheza.
Recebi o mesmo de sempre:
Tristeza.

Dantes, a miúda olhava
E perguntava-se com inocência.
Agora, tempos mundanos,
Nem sequer olha com decência.

Agora, nem contacto visual
Estabelecemos quando nos cruzamos.
Os sorrisos que outrora tomamos
Eram mais que abismal.

Escrevo versos quebrados,
Da história que remete a passados.
O agora não se assimila a tempos alados.
A miúda não quer artistas magoados.

Conflito

Conflituoso,
Cada dia de cada vida.
Espirituoso,
Mas não protege da descida.

Vivo sem viver,
Combato sem combater.
Faço paradoxos sem os fazer
E perco a vida sem o saber.

Perda de tempo,
Falta de noção de espaço.
Minha mente está pior
Que um espelho baço.

Continuo com passadas lentas,
Que mostram este fim demente.
Vivo em constante conflito,
Que é o meu ser, infelizmente.

A Máquina

A máquina é uma máquina como todos nós
Que pensa, sente e vê.
Mas que não haja dúvida entre todos vós,
Que em nada a máquina já crê.

Ah, a máquina...
A máquina é o cimo.
Que olha para baixo com desdém.
Tem quem lhe faça
Chips para dar como um mimo,
Mas que não perdoam ninguém.

A máquina movimenta-se de valores,
Que são dados pelo dinheiro.
Afinal, as máquinas somos nós
Somos o escondido, somos o arruaceiro.

Somos escondidos,
Explorados
E derrotados,
Pela máquina.

Mas a nossa irmã,
Lava tudo que nem o vento.
Mantém a tua mente sã,
Aprecia este momento.

Demasiado espiritual... Achas?
Mantém esse afecto...
Deixemos esta carne impura,
Seguiremos o espírito, que está correcto.