Sem Fim

Encontro-me escondido nas brumas da noite. Os contornos de todas as coisas tornam-se pouco nítidos enquanto a minha mente vagueia no outro nível, que não tem fim. Quaisquer palavras seriam insuficientes para descrever tal situação. Apenas persiste a pequena sensação de companhia que nos acompanha ao longo deste caminho, que não tem fim.
Continuaremos até ao fim, mesmo aquele que não vemos e que pensamos não existir.
Enquanto corremos, fugindo à principal inimiga da nossa vida, aproximamo-nos do tão desejado fim, que segundo a teoria, nos congratulará com a prosperidade eterna. Nessa altura, saberemos: este fim é uma simples ilusão.
Enquanto a música da despedida toca, o que deixara de ser nítido é redescoberto. E aí será reproduzida a ideia, sem fim.

Ninguém vê

Ouve-se vozes a ecoar por toda a sala. A sala está vazia. Vê-se no distante horizonte um aglomerado desorganizado de cores: algumas ainda nem sequer são distinguidas por todo e qualquer olho humano. Na verdade, o que a Física nos diz é que este tipo de cores nem sequer existe, ou, se existe, não faz parte do que é suposto um ser humano ver. Pura ignorância, pensou ele. Eu estou a vê-las, gritou bem alto: e todas as vozes se calaram. Olhou em redor, nem uma pessoa se avistava. Esta é que seria uma grande discussão para os Físicos, porque afinal a sala sempre esteve vazia.
Ao contrário daquilo que poderiam estar à espera, ele nem se mexeu. Continuou, deslumbrado, a olhar para aquelas cores nunca antes vistas, ou talvez vistas tantas vezes por pessoas sem o discernimento necessário para se aperceberem da sua existência.
Quer comer? Sim, estou a vê-las. Está maluco, deixem-no estar. Já disse que estou a vê-las!
Deixaram-no estar. Dezoito anos depois, ele ainda está vivo, e está a olhar para as mesmas cores, a bater o pé, e a dizer que está a vê-las. Ninguém as vê, isso é certo, agora não sei quem estará maluco, se eles ou eu.

Existirão tréguas?

Estou preso na porta que me dá a liberdade. Tenho três pesos pegados aos pés, e não consigo sentar-me. Escrevo plurais que estão sozinhos, e acompanho-me de cadáveres vivos. Invadiu-me uma faca. Perdi uma maçã, mas sobrevivi graças a isso. Quem acha isto trivial, devia ter consciência das nuvens, porque elas também estão perdidas. É por isto que acabou. É por isto que ficou sem mãos. Só para verem como fazia sentido.