1.

Esta é uma estória daquelas que se contam antes de dormir. Antes de se principiar, devo salientar que de facto foi numa vez, o que não significa que sejam pronunciadas palavras que remetam para isso, pelo menos não as usuais. O protagonista era um menino muito pequenino, tão pequenino que me obrigou a aplicar um diminutivo, veja-se só. É pequenino, nem percebe o que se encontra à sua volta, como se vê agora, que nem dá por mim a contar isto, e se verá mais à frente na estória, que será de certeza contado.
Estava sentado na sala da sua pequena casa, que nunca chegará a ser realmente sua, a ver as imagens que se moviam dentro da caixa que a partir de meados de 1924 alguém decidiu chamar televisão. Neste sistema electrónico passava um daqueles programas para crianças, que pouco importa o nome, mas que é admirado por um número significativo de seres humanos durante um certo intervalo etário chamado de infância. Que o miúdo soubesse, apenas sua mãe estava em casa. Facto que rápido percebeu não ser verdade, quando viu o seu pai entrar pela porta da divisão onde estava. O pai não reparou no miúdo, mas o miúdo, feliz que nem... um miúdo vá, pediu-lhe que prestasse atenção à cena seguinte da história fantasiosa que atentamente observava. Pobre miúdo, nem que miúdo não fosse, nunca adivinharia o que de seguida iria acontecer. Talvez só Deus soubesse, porque ele sabe tudo, mas nada poderia fazer para aquilo evitar, porque o livre-arbítrio existe, sendo assim, Deus é omnisciente mas nunca poderá ser omnipotente, mas isto são outras estórias de quem é inexplicavelmente ouvido.
Voltando à estória, que ainda não acabou, por pouco mais de 5 segundos, o miúdo perdeu a atenção que prestava à história animada para se poder concentrar nos dois vultos que passaram o corredor em direcção ao quarto. Mesmo antes que o miúdo voltasse a prestar atenção ao aparelho de entretenimento situado na sala onde se encontrava, gritos cortaram o ambiente feliz criado pela mente da criança em seu redor. Apesar de pequenino, o miúdo conseguia andar e foi o que fez. Percorreu um caminho curto que para ele era longo, o que não impediu que fosse feito num curto intervalo de tempo. Quando chegou à porta do quarto, presenciou a imagem que mais tarde iria voltar a penetrar-lhe a cabeça em forma de memória. Seu pai estava em cima de sua mãe, não a satisfazerem-se mutuamente como poderia sugerir a muita gente, mas sim numa batalha pela sobrevivência. Quem tenha olhos que vejam, perceberia que o progenitor do sexo masculino estava com uma vantagem enorme, de faca na mão, a colaborar activamente para que a quantidade de sangue jorrado pela outra parte do casal não parasse de aumentar. No meio de toda esta imensidão de horrores, de súbito, ouviu-se numa voz, simultaneamente trémula e berrante, a palavra 'pai'. Era a criança, que chorava, mas nem sabia porquê, nem sequer percebia o que se estava a passar. Este choro súbito despertou de novo a consciência no pai, que olhou para a criança, aterrorizado consigo mesmo. Fugiu, e ao fugir... chorou. Talvez o maior choro da História, e sendo isto verdade, não terão problemas em perceber que também será o maior da estória. Uma coisa é certa, deste indivíduo não se ouvirá falar tão cedo, mas o tempo o dirá.
Quanto à criança, talvez no espaço duma página se volte a falar nela, mas eu sou um mero espectador.

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