Desabafo do desgaste

Quando o desgaste da mente se sobrepõe nas intersecções do que nos rodeia, as palavras e os sons tornam-se longíquos, quase inatingíveis; porém, quando o espírito tem a capacidade consciente de se auto-restaurar, estes fluem infinita e descontroladamente em todas as direcções. E isso é bom.

Orgasmo mental

Estas sensações inexplicavelmente invasoras estão a guiar-me para um conjunto descontrolado de ideias, as quais mal consigo expressar, se é que digo algo que faça sentido.
Que desafio seria isto, se não fosse eu um aventureiro corajoso desses sítios lindíssimos, que pouca gente vê, mas toda a gente diz já ter lá estado. Mas, mesmo sendo eu este aventureiro que alguém acabou de descrever, estou a ter dificuldades algo que invulgares para contemplar com eficácia todo este movimento e todo este caos.
Eu que nem me expresso por interjeições em caracteres, estou capaz de escrever um AAAAAAAAAHHHHHHHHHHH para me libertar um pouco deste turbilhão que me arrasta até ao mais elevado grau de prazer, porque nesta altura isto até se pode tornar perigoso.
Mas isto é lindo! Contemplem! Deixem-se molhar pela chuva que esta música nos traz, vá! Já estão há tempo demais a rirem-se da minha 'desgraçada' figura de cão perdido num mundo repleto de cores e beleza. Na verdade, a desgraça está escrita no espaço entre as vossas sobrancelhas e o vosso cabelo. Não pensem mais, porque o que é necessário para que se atinja a verdade absoluta é que todos tenhamos orgasmos mentais.

Louco

Tudo indica que este seguimento, no mínimo, suigéneris de acontecimentos culminará na loucura imprevista e antecipada do oprimido recluso dos objectivos alheios. Talvez seja hoje mesmo que ele põe fim ao seu percurso neste nosso planeta. Não é, de todo, a primeira vez que pensamentos destes invadem esta mente perturbada, e será importante salientar que já esteve bem mais longe de acontecer essa tragédia, que se pensa adivinhar.
No final de voltas dadas e rectas percorridas para trás e para a frente, este nosso louco percebe que pôr fim a esta sua vida, que podia ser tão bonita, era estúpido; e o seu orgulho dizia-lhe que estúpido era coisa que ele não era.
Logo, não foi desta que este louco acabou com esta narrativa, porque convenhamos, sem ele estaríamos a ler o nada, e tenho a certeza que o nada diz menos do que isto tudo que para aqui vai. Ou talvez diga o mesmo e isto é só uma perda de tempo.
A cada segundo que passa, a minha certeza em relação a isso aumenta: já estamos há tempo demais a tentar ajudar este louco. Talvez seja hora de nós mesmos acabarmos com o sofrimento nada fundamentado deste louco, que já vomitou e não pára de dizer que está louco.

E eu sinto-me bem

Esta caixa está quase vazia: tudo o que ele foi amontoando com as esperanças bem lá em cima, como qualquer miúdo da sua idade, estão a desaparecer a pouco e pouco; e apesar desta caixa ainda estar minimamente composta, este pobre miúdo já se sente louco.
Louco pelo que aconteceu, pelo que ainda está para acontecer, pelo que sentiu e o que sabe que ainda vai sentir. Este miúdo está louco e já não sabe para que lado se virar, se bem que nos pareça óbvio que ir em frente é sempre uma melhor solução do que procurar um desses lados escondidos e complicados.
Ao observar este nosso personagem, que agora chora enquanto ouve uma dessas músicas meio blues meio jazz, nota-se uma tristeza que contaminaria qualquer outro emaranhado de energias em que se inserisse; mas isso nós não queremos, por isso é que o observamos de longe. O telefone toca. Com, poderá dizer-se, alguma dificuldade o nosso garoto interrompeu este novo som que invadia a sala já confusa com aquela mistura invulgar de ondas sonoras, atendendo a chamada. Quem estava do outro lado do aparelho comunicativo acho que nunca vamos saber, pois pelo discurso lento e pouco falador do nosso protagonista, pouco se pode perceber quanto ao que, na realidade, se está a passar. Mas o que já se tem a certeza é que o telefone já está pousado, e o miúdo chora, quase sem conseguir respirar. Que dor esta. Se esta dor nos afectasse da mesma maneira que afecta a este miúdo estaríamos todos agarrados ao peito a tentar procurar que parte de nós lá falta.
Este choro e esta dor vão-se intensificando com a música, quase acompanhando-a como se de propósito fosse, e nada mais estranho poderia estar a acontecer, pois esta música tem de tudo, menos tristeza.

As circunstâncias da Vida

Não sei se foi fruto da casualidade, do destino ou da fé mas há muito que dura uma acesa troca de palavras que, para não ser diferente de todas as outras, me traz de novo até ti. Ainda bem que entre nós não há necessidade de palavras, porque certamente estas descambariam para o ruído ou para o insulto, e esses caminhos eu não gostaria de frequentar. Quem sabe se algum dia o vou conseguir.
Falo sério quando afirmo que gostava de não ter de vir falar contigo, se é que o é possível sem palavras, claro; mas estas variadas e imprevisíveis circunstâncias que perseguem o presente cronológico estão a incapacitar-me de construir as escadas que, em conjunto, gritariam 'Vida!', assim se apresentando.
Não precisarei, decerto, de prolongar o meu discurso até ao infinito, até porque isso, diga-se, não faz nada o meu género, muito pelo contrário. Significa isto, que penso que já sabes, que a incompreensão é agoniante, seja interna ou externa, portanto peço que me ilumines, como só tu sabes, para que estes meus murmúrios desorganizados e vagos se auto-fundamentem e não sejam mais umas quantas linhas escritas por um enorme louco.

O silêncio da Vila

Numa noite sombria, em que a lua se decidiu esconder, apenas uma pessoa olha em volta, questionando-se...
Um simples movimento maxilar ecoa pela vila silenciosa e perdida, onde essa pessoa sente não possuir as forças necessárias para acatar a responsabilidade pesada colocada em cima de suas costas. Com todo este silêncio, hesitou em gritar, pois sabia que o seu grito acordaria toda a vila... e, no final de contas, apenas uma pessoa bastava.

O salto

Ele caminha lentamente pelo caminho,
Completamente sozinho.

Espera, ansiosamente,
Pelas sombras frias trazidas
Pela maré vasta de memórias
Perdidas num vento selvagem
De incompreensão.

E é no final do caminho,
Que se ouve bem alto o grito
De quem só tem o seu corpo
Para saltar.

Respira

-'Deixei-me levar pela fraqueza do meu espírito, que mesmo sendo fraqueza, situa-se na parte boa de mim. Apesar de estar rodeado pela nossa Mãe, caí novamente no poço que me suga nestes momentos inoportunos e complicados, para não lhes chamar estúpidos; porque até estes momentos importam, tal como outros, mais oportunos e descomplicados. No fim, encontrei-me rodeado por paredes reais e irreais de pedras e ideais e quase que não consegui sair. Digamos que, tenho estado preso.'
-'Tem calma, e respira.'

Ouviu-se uma pausa silenciosa. Sentia-se uma nova energia no ar. Parecia que aquelas rastas ruivas se tinham pintado nos tons de preto e cinzento que manchavam a quase total tela branca. Tudo estava bem agora.

Em sentidos opostos

Acenemos as mãos.
Observemos, calmamente, a luz estranhamente forte da lua que nos acompanha neste caminho curto para o final deste alucinante resgate. Cantemos melodias poderosíssimas e históricas que acompanharão a Humanidade até ao final da sua construção. Caminhemos e abrandemos...

Abracemos com força a vida que passa através da matéria, e toca, nem que seja ao de leve, no vazio residente na alma imperfeita e inacabada.

Acenemos freneticamente as mãos
Enquanto caminhamos,
Em sentidos opostos.

Pensar

Estou sentado sozinho observando este emaranhado confuso de vibrações, energias e egos onde eu não consigo entrar. Apesar deste facto, confesso: é uma imagem que não se esquece. Todos nós temos a mania de olhar para a Terra e proferir palavras não sentidas como 'que bonita paisagem', mas neste momento, eu não estou a olhar para a Terra e garanto que se essas palavras tivessem sido ditas, de facto, seriam sentidas.
Surpreendentemente, houve algo que fugiu à teia para mim impenetrável, e sentou-se aqui ao meu lado. Para vocês espectadores, é uma normalidade, para mim é um tesouro que eu nunca ambicionei mas que, por momentos, deixou-me um bocado mais rico. A diferença é que estes tesouros não se compram, estas riquezas não se esgotam. São acontecimentos guardados dentro do baú onde está estampada a mensagem 'Acaso ou destino?'.
Terrível poder este, o de pensar.

Criança

'Uma criança, que chora, mas nada sente; que sorri, mas nada a faz feliz; que cai, e não se magoa; vê coisas, mas não as entende; alucina, mas vê a verdade.
Ele fugiu, mas deixou a sua marca; não olhou para trás... Ele voltou, a ferida abriu; a criança não reagiu. É tudo uma grande cicatriz que é protegida por algo tão negro, por onde a luz não passa. Mas quando algo, bem mais poderoso que a luz, atravessa essa escuridão e toca, nem que seja de raspão, na cicatriz, tudo toma um novo rumo.
A criança, não se sabe como, aguenta. Teme-se apenas que, um dia, a cicatriz esteja exposta ao ponto que nada mais salve a criança da insanidade.'